segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Casos envolvendo policiais se arrastam na Justiça.

Policiais envolvidos em crimes
Abusos e violência seguem sem punição.

DANIELA ARBEX
repórter

Três mil trezentos e seis dias. Esse é o tempo que o ex-garçom Alexandre de Oliveira espera por justiça, ou seja, quase uma década. Alvo de uma ação policial equivocada, Alexandre foi preso e torturado por policiais militares e civis, em 2001, para confessar o estupro da filha de 1 ano e 7 meses que nunca aconteceu. Ele não é a única vítima da arbitrariedade. O fato é que há outros processos que se arrastam nas varas criminais há anos sem solução. A morosidade dos casos e a falta de respostas para os desvios de comportamento policial fazem com que agentes indiciados por abuso de autoridade, crime de tortura, entre outros, continuem impunes.
A Tribuna resgatou casos emblemáticos ocorridos na cidade e região nos últimos dez anos e descobriu que os policiais envolvidos em ocorrências de violência, tortura e morte nesse período continuam trabalhando para a corporação. Entre eles, há, inclusive, três PMs indiciados por homicídio. O assunto volta à tona no momento em que um policial militar confessa o assassinato de um montador de móveis, ocorrido no último domingo. Embora não estivesse de serviço, ele teria usado a arma disponibilizada pela instituição durante uma briga.
Preso por engano
Os seis agentes envolvidos na prisão de Alexandre de Oliveira, há nove anos, estão entre os que continuam nas ruas. Em 2001, quando Alexandre tinha 23 anos, ele foi preso sob acusação de estuprar a própria filha. A menina, com apenas 1 ano e 7 meses, sofria, na verdade, de um tumor na área genital, vindo a falecer em 2002 de câncer. Alexandre, que residia em Bom Jardim de Minas, foi levado para a delegacia de Andrelândia e, mediante agressões, obrigado a assinar um termo de confissão de culpa. Mais tarde, laudo do exame de corpo de delito confirmou que ele foi torturado em dependências do Estado. Sua libertação só aconteceu, na época, depois que a Tribuna denunciou os equívocos da ação policial. Cinco agentes públicos militares e um civil foram levados à Justiça, mas o processo está concluído desde junho de 2008 sem receber sentença. O crime corre risco de prescrição.
“Se eles forem condenados por abuso de autoridade não serão punidos, porque já terá ocorrido a prescrição. Mas se forem condenados por tortura, ainda poderão responder pelo que fizeram. No entanto, não acho que justiça tardia seja justiça. Se a sentença tivesse saído logo, quando os fatos ainda estavam em evidência, teria tido muito mais eficácia. O próprio sistema estimula a impunidade. Acho que é necessária a reforma do Código Penal e de Processo Penal. Quando os responsáveis são autoridades, o julgamento precisa ser mais rápido”, comenta Maurínio Santarém, advogado de Alexandre.Ele explica que o processo de indenização movido pelo rapaz contra o Estado está suspenso, aguardando a decisão da sentença criminal. “Passado tanto tempo, o Alexandre não quer mais falar sobre o caso”, diz Maurínio.
Caso de alunos colocados nus sem resposta
Os pais dos 14 alunos colocados nus na sala de aula da Escola Municipal Quilombo dos Palmares, em novembro de 2003, durante uma revista policial, também esperam pela responsabilização dos autores. Os policiais militares foram chamados à escola por causa do desaparecimento de um celular, encontrado, depois, no chão do banheiro do colégio. O fato, revelado pela Tribuna, resultou na denúncia dos PMs pelo Ministério Público Estadual e Militar, por constrangimento ilegal e infração ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Dois militares envolvidos foram suspensos, mas, até hoje, o caso se arrasta na Justiça Militar. Aos 20 anos, A., que na época tinha 14, tenta esquecer o dia no qual teve que tirar peças de roupa durante a busca na escola. “Foi muito humilhante”, lembra a mãe.
No mesmo ano, o montador Samuel Aureliano da Rocha foi encontrado morto, no Rio Paraibuna, com as mãos algemadas para trás. Funcionário de uma empresa de Jacareí (SP), ele havia sido contratado para participar da montagem de palco na exposição agropecuária, no Jóquei Clube, de onde desapareceu na noite de 10 de agosto de 2003. A apuração do caso indicou que ele havia sido detido por policiais da Cavalaria “sob suspeita de furtar objetos de um carro estacionado na Avenida Brasil”. Em sindicância regular reservada da PM, três militares que participaram da operação foram indiciados por homicídio doloso, por haver provas que “confirmam de maneira inequívoca que eles agiram com flagrante imprudência, culminando com o óbito do rapaz”. O Inquérito Policial Militar (IPM) foi encaminhado para a Justiça Militar que, por tratar-se de crime doloso, remeteu os autos à Justiça comum.
No entanto, não houve abertura de processo, já que o Ministério Público Estadual arquivou o caso, “por não existir indícios para sustentar uma denúncia”. Quanto aos responsáveis pela morte de Samuel, eles sofreram sanções administrativas. “A PM tomou todas as medidas cabíveis. Mas a punição penal cabe à Justiça Militar ou comum, dependendo da competência. Pelo código de ética policial, para haver demissão por prática de crime é necessária uma sentença penal condenatória transitada em julgado, o que não aconteceu. Só depois disso, temos elementos para analisar a conveniência ou não da permanência desse policial na instituição”, explica o assessor de comunicação organizacional da 4ª Região da Polícia Militar (RPM), major Sérgio Lara.
Outro caso emblemático ocorreu em 2005, quando o jovem Michel Wagner de Aquino, 18 anos, furou uma blitz na Zona Norte por não ter carteira de habilitação para moto. Perseguido por viatura da PM, ele morreu durante a perseguição, ao ter a cabeça esmagada por um ônibus. No entanto, laudo pericial apontou que o óbito foi provocado pelo policial que conduzia a viatura, uma vez que o veículo teria atingido “uma ou mais vezes” a traseira da moto.
Segundo Lara, a PM não compactua com qualquer forma de violência ou agressão. “Nossa missão é promover a paz social.”
Professor diz ter sido agredido dentro de casa
Em Juiz de Fora, nos últimos 15 meses, mais de 30 inquéritos foram instaurados pela Polícia Civil para apurar a participação de agentes militares e penitenciários em situações de violação de direitos, mas os registros de maus-tratos e violência continuam crescendo. Em um episódio ocorrido na semana passada, um professor de química de 35 anos passou por exame de corpo de delito sem, no entanto, ter conseguido registrar boletim de ocorrência. Com ferimentos pelo corpo, ele diz ter sido agredido dentro da sua moradia por um soldado da 32ª Companhia. O problema teria começado depois que o professor discutiu com um caminhoneiro que estacionou seu veículo em frente ao imóvel onde mora, bloqueando a garagem. O motorista não teria atendido o pedido de retirada do caminhão e, diante da confusão, a polícia foi acionada. “O policial já chegou no local me chamando de verme. Depois de tantas ofensas verbais, ele arrombou o portão da minha casa, me atingindo com chutes, socos e tapa na cara. Fui algemado, colocado dentro da viatura, sendo negado o meu direito ao corpo de delito. Eles me deixaram no HPS alegando que eu estava em crise de abstinência. Estou me sentindo ofendido na minha cidadania. Infelizmente, na periferia, policiais como esse são juízes, promotores e até carrascos”, desabafa.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde confirmou que o professor deu entrada no HPS no dia 27 de janeiro, no início da tarde. Lá ele passou por avaliação da psiquiatria, sendo liberado em seguida. Orientado na Delegacia de Polícia, no dia 29 de janeiro, a registrar ocorrência, o professor procurou o posto da PM próximo ao Shopping Santa Cruz. Lá, foi encaminhado para a 32ª Companhia, em Santa Luzia, por ser a região onde mora. “No entanto, não me deixaram registrar o boletim de ocorrência. Um cabo me empurrou, me deu tapas na nuca e me mandou ir embora. Tenho medo até de sofrer retaliações, mas não vou abrir mão de denunciar tudo isso.” O assessor de comunicação organizacional da 4ª Região da Polícia Militar (RPM), major Sérgio Lara, disse que fará um relatório ao comando para instauração de sindicância e apuração da veracidade da denúncia.
Um relatório de investigação preliminar foi instaurado para apurar a denúncia da doméstica Sandra, cuja família teria sido vítima de policiais militares, em outubro do ano passado, depois que um jovem que acabava de assaltar um supermercado invadiu a casa onde morava na Vila Paraíso. Seguido pelos militares, o assaltante e todos os residentes do imóvel foram rendidos. A doméstica afirma que o marido e os filhos sofreram choques elétricos e agressões para que “confessassem” a participação no crime. O engano só foi desfeito horas depois, mas o trauma ainda acompanha a família.
Um inquérito policial investiga o caso, e testemunhas estão sendo chamadas para depor. No entanto, na PM, o caso foi arquivado por falta de provas. A justificativa é que “o queixoso, após ser notificado para audição, não compareceu”. Sandra chegou a ligar para a corporação, a fim de justificar a ausência do marido. “Ele trabalha como porteiro e, no dia marcado, não pôde faltar ao serviço. Me disseram que não tinham como remarcar. Mas faço questão que eles sejam punidos, porque não podem continuar entrando na casa dos outros e fazendo o que quiserem. Enquanto nós, pessoas trabalhadoras, somos punidas, bandidos contam com inúmeras regalias.”
‘Essa é a categoria de trabalhadores públicos mais sofrida do país’
Só no ano passado, o Ministério Público denunciou na Justiça, 660 policiais e agentes em todo o estado. Já a corregedoria da Secretaria de Estado de Defesa Social recebeu 921 denúncias contra agentes penitenciários, 51% a mais do que em 2008. Ao todo 8.548 PMs foram denunciados pela corregedoria no ano passado por motivos diversos, o equivalente a 18,5% do efetivo.
Celma Tavares, mestre em ciências políticas pela UFPE, considera o desvio de conduta policial uma ameaça a democracia. “A violência policial é um fato, basta lembrar Carandiru, Candelária, Eldorado dos Carajás, não um caso isolado ou um “excesso” do exercício da profissão como querem fazer crer as corporações policiais e as autoridades ligadas ao sistema de Justiça e segurança. E, em se tratando de um fato concreto, deve ser encarada como um grave problema a ser solucionado, porque a violência ilegítima praticada por agentes do Estado, que detêm o monopólio do uso da força, ameaça substancialmente as estruturas democráticas necessárias ao Estado de Direito.”
A secretária geral do Instituto Carioca de Criminologia e professora convidada do curso de pós-graduação em criminologia e direito penal do Instituto Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Vera Malaguti, reconhece a necessidade de se conter a truculência policial, mas argumenta que o debate em torno do tema deve ser mais profundo e ir além da questão da punição penal.
“A nossa concepção de ordem pública é uma concepção que produz na corporação policial uma mentalidade truculenta. Quando o policial mata alguém da classe baixa, a classe média aplaude, mas se vítima pertence a essa mesma classe, é pedida a punição. Penso que, atualmente, essa é a categoria de trabalhadores públicos mais sofrida do país, com um alto índice de doenças psíquicas. Isso porque o policial militar acaba atendendo todos os sistemas públicos que não funcionaram. Quando tudo falha, ele é obrigado a lidar com a nossa calamidade social. Uma sociedade que precisa tanto de polícia é sinal de que alguma coisa está errada no país. Para se ter um policial diferente, é preciso ter um projeto de cidade diferente, porque a tragédia brasileira existe dos dois lados”, pondera.
JORNAL TRIBUNA DE MINAS EDIÇÃO domingo 07/02/2010

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Policial Militar mata homem em Juiz de Fora.

PM confessa crime, mas alega disparo acidental
O sargento da Polícia Militar Hércules Benitez Amâncio, 30 anos, confessou ontem o assassinato do montador de móveis Sidnei Fabio Soares, 26, ocorrido na noite de domingo, na Avenida dos Andradas, no Morro da Glória. No entanto, em seu depoimento, alegou que o disparo teria sido acidental. O sargento se apresentou à Polícia Civil ontem, por volta do meio dia. Como já havia passado o prazo do flagrante, foi ouvido e liberado. De acordo com o delegado responsável pelo inquérito, Rodolfo Rolli, será pedida a prisão preventiva do suspeito. Ele deverá ser enquadrado por homicídio doloso, triplamente qualificado, por motivo fútil, torpe e meio cruel, que impossibilitou a reação da vítima. A pena para esse tipo de crime varia de 12 a 30 anos de prisão.

A versão do disparo acidental é contestada pelo delegado, já que a trajetória da bala que acertou a cabeça de Sidnei sugere que o policial estaria com a arma em punhos e apontada para a vítima. O resultado da necropsia pode ajudar a esclarecer o fato. Já o laudo de local apontou que mais de um disparo foi efetuado.

Segundo os depoimentos colhidos até agora, no dia do crime, Hércules estaria em um bar, acompanhado de três amigos. Após o policial deixar o local, os amigos teriam se envolvido em uma briga com Sidnei e uma outra pessoa, que estaria com ele. Quando retornou ao bar, o policial teria descido do veículo em que estava e efetuado os disparos. Após o homicídio, o atirador fugiu em um Vectra, mas teria deixado para trás um carregador de pistola ponto 40, de uso exclusivo das Forças Armadas e das polícias.

No início da próxima semana, as três pessoas que acompanhavam o policial no dia do crime devem ser ouvidas. Segundo Rolli, como “não há dúvidas da autoria e das circunstâncias nas quais o crime foi cometido”, não haverá necessidade de reconstituição. O inquérito deve ser concluído até o meio da semana que vem.

Hércules é policial militar há oito anos e atua no 27º Batalhão. A PM informou que abrirá processo administrativo para apurar os motivos pelos quais o policial estava em posse da arma durante o período de férias.